Por David Soares
Além da falta de combustíveis nos postos de gasolina, o que se verificou com a greve dos caminhoneiros foi um completo desabastecimento de informações. A economia do país é movimentada por cerca de 2 milhões de caminhões e apenas 30% deles são guiados por trabalhadores autônomos. Ou seja, a greve dos caminhoneiros é, na verdade, a greve das transportadoras, que inclusive demandam grande parte dos serviços dos 30% de caminhoneiros autônomos.
Talvez por isso, esta greve, apesar de todo o impacto produzido na vida da população, não recebeu a costumeira repressão destinada aos movimentos sociais. Não houve multa aos caminhões, não houve tropa de choque com bala de borracha, bombas de gás e nem mesmo a tradicional postura da grande mídia criminalizando os manifestantes. Ao contrário, programas de rádio incentivam o apoio aos caminhoneiros e emissoras de televisão providenciam amplas coberturas, inclusive com imagens aéreas, tal qual fizeram em 2013 e 2016.
A bandeira central da greve é a carga tributária. Algumas vozes na imprensa se apressaram em defender a necessidade de redução de impostos e os políticos de direita replicaram o mesmo mantra. Um círculo vicioso se estabeleceu: ouvintes eram inflamados a reclamar dos impostos e deram aos programas “interativos” o caráter de “voz do povo”.
Mas, informações importantes deveriam chegar ao conjunto da população para que opiniões pudessem ser formadas com maior senso crítico. Carga tributária sempre existiu e os aumentos sucessivos de preços se deram nos últimos meses. Terá sido por conta dos impostos? Não, porque os impostos não subiram. Algumas vozes bradaram com convicção que o problema é o monopólio da Petrobrás. Porém, a empresa opera de acordo com as regras do livre mercado. Aliás, desde a aprovação da chamada Lei do Petróleo em 1997, durante o governo do PSDB, o monopólio da empresa foi quebrado.
Na verdade, a Petrobrás não é mais só nossa. Ela é uma empresa de capital aberto e o governo brasileiro tem controle acionário com 55,6% do capital. Registre-se que 38,8% do capital social da empresa pertencem a estrangeiros, sejam empresas ou pessoas físicas. A nova política do sócio majoritário visa facilitar a venda de ativos e atender aos interesses destes investidores internacionais.
Além disso, a Petrobrás hoje presidida pelo tucano Pedro Parentes, decidiu trabalhar com apenas 70% de sua capacidade de refino. Isto quer dizer que estamos exportando petróleo cru e, em seguida, importando combustível refinado, com custo bem mais caro e atrelado ao preço do dólar.
Segundo dados da Federação Única dos Petroleiros (FUP), com Michel Temer (MDB) e Pedro Parente (PSDB), em 2017, tivemos um crescimento de 93% das importações de combustível, chegando a US$ 1,5 bilhões de dólares. Com esta política, a gasolina e o diesel já correspondem a 20% de todas as vendas dos Estados Unidos ao Brasil e a Petrobrás vem perdendo espaços para suas concorrentes internacionais como Shell, Chevron e Esso. Os preços estão subindo justamente porque estão soltos no livre mercado e atrelados ao dólar.
O governo propôs aos caminhoneiros uma “CIDE zero” apenas no óleo diesel. A CIDE é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e representa 0,5 centavos no preço final do diesel. As transportadoras não aceitaram, querem a redução do PIS/Cofins, que incide na previdência, e do ICMS que incide na arrecadação dos Estados. Um detalhe interessante é que sem a CIDE e o governo deixaria de arrecadar R$ 2,5 bilhões, em contrapartida, o Congresso aprovaria a reoneração da folha de pagamento e o governo passaria a arrecadar R$ 3 bilhões.
Mas, se estamos falando de uma greve de transportadoras, configura-se locaute, prática vedada na legislação do Brasil, o mesmo país no qual ainda se encontra quem acredite que a lei é para todos. Por falar em lei para todos, nem mesmo as decisões judiciais de desbloqueios das estradas estão sendo cumpridas. Os caminhões, em um país que escolheu depender do transporte rodoviário, lembraram que a força econômica cria força política e ambas vêm antes da lei.
Há claramente uma fissura na classe dominante. Também é verdade que o apoio popular à greve simboliza a grande insatisfação com o governo Temer. O impasse não tem final previsto. Se os empresários pedem redução de impostos, o povo deseja mais e melhores políticas públicas, como na área de segurança, por exemplo. É possível melhorar e ampliar os serviços públicos diminuindo a arrecadação? Por outro lado, o presidente Temer, para sair das cordas, precisa rever a política neoliberal radical que o sustenta no governo.
Como recordar é viver, é importante lembrar que em dezembro de 2017, o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega e a ex-presidenta da Petrobrás, Graça Foster, por manterem preços baixos no governo Dilma Rousseff que, por sua vez sofreu greve de caminhoneiro pedindo “Fora Dilma”, que não pedem um “Fora Temer”, agora que política de preços de Mantega e Foster foi substituída.
A Petrobrás não deve trabalhar no vermelho, no entanto, não deve deixar de ser um patrimônio do povo brasileiro. Como tal, não deve ter como meta principal o lucro do capital privado. Por que não tributamos os rendimentos e os patrimônios e sim o consumo, penalizando quem vive de salário? O que devemos fazer para retomar geração de empregos e o crescimento econômico com desenvolvimento social? Qual deve ser o papel do Estado brasileiro? A greve das transportadoras abre possibilidade para discutirmos estas questões no barulhento deserto de ideias do debate público.
Foto: Jornalistas Livre